quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Amélia, que bem que se está no campo - Episódio #7

Madalena voltou ao acampamento todas as manhãs sempre sem conseguir ver o belga, mas a curiosidade só aumentava em cada insucesso. Quem homem era aquele? Que aspecto teria? O que estava ali a fazer? Seria mesmo um anjo? Não que ela acreditasse nessas coisas do sobrenatural mas, sempre que se aproximava do acampamento, sentia um ambiente estranho no ar, como se fosse observada e a sua presença notada mesmo mantendo-se suficientemente longe para ser vista. Tentava embrenhar-se entre os arbustos e as árvores mas, a cada dia que passava, dava consigo um pouco mais perto. Naquele dia soube que ia ser diferente porque assim que se começou a aproximar do acampamento ouviu uma voz melodiosa, como uma voz divina, que entoava um cântico estranho mas absolutamente lindo. A voz emitia sons perfeitamente harmoniosos, ritmados e numa língua que Madalena nunca tinha ouvido. “Seria Sânscrito?” A música era como uma oração aos deuses, uma prece. Aproximando-se conseguiu finalmente ver Guerlain de perfil, sentado de pernas cruzadas e os braços abertos e pousados sobre as pernas, numa manta branca no chão. Num círculo à sua volta ardiam velas que resistiam à força da brisa e no céu o casal de cegonhas faziam voos rasantes ao acampamento e cruzavam-se no ar como que a dançar ao som do cântico divino. Por vezes, em determinada parte da oração, as chamas das velas ganhavam força e cresciam de repente num clarão, todas em sintonia. Madalena não percebia o que via e ouvia mas começou a sentir o seu corpo dormente, sentou-se no chão e fechou os olhos. A sua mente começou lentamente a entrar num transe que era completamente novo para ela. A voz extenuante de Guerlain ecoava dentro da sua cabeça e os seus pensamentos abandonaram aquele lugar e o seu corpo projectando-se pelo desconhecido. Ela não se sentia, o seu corpo não estava ali e a sua consciência experimentou uma sensação de paz e plenitude que ela desconhecia. Aquela dormência durou mais de uma hora e só foi quebrada quando, de repente, Guerlain ficou em silêncio. Passados uns minutos levantou-se da manta, fazendo as velas apagar como por magia, e permitindo que Madalena pudesse finalmente ver o belga com clareza. Era um homem que deveria rondar os 40 anos, muito alto, de corpo magro mas robusto. Envergava uma túnica branca de cordões e umas calças largas e curtas igualmente brancas. Estava descalço. No cabelo loiro em desalinho pelos ombros apareciam as primeiras pinceladas de cinzento e a pele tinha um tom dourado, não natural mas resultado de uma vida no exterior. “Este homem se não é um anjo parece um. É lindo!” – pensou Madalena. Movia-se com suavidade mas firmeza, como se cada gesto fosse profundamente meditado. De repente, levantou a cabeça para o céu, como que à escuta, e deixou o acampamento num passo apressado dirigindo-se para as terras da quinta. Madalena seguia-o à distância garantindo não ser notada. Quando se aproximavam do velho poço, Madalena deixou de avistar Guerlain mas os seus sentidos foram canalizados para uma voz que pedia auxilio ali perto: “Socorro! Alguém?! Ajudem-me por favor!”
Depressa percebeu que a voz vinha do fundo do velho poço e correu apressada até ele. No fundo, meio no escuro, conseguiu distinguir o vulto de um corpo que jazia imóvel no chão.
- Abençoada seja menina, que eu pensei que a minha vida ia terminar aqui!
Desde o telefonema pedindo ajuda, à chegada dos bombeiros locais, tudo se passou num ápice e o resgate de Acácio deu-se sem problemas. Madalena acompanhou os trabalhos e não pode deixar de pensar se teria sido Guerlain que a trouxe até ali. “Não é possível! Como é que ele sabia que este homem precisava de ajuda? Isto é tudo muito estranho…”.
A inteligência e o grande poder de análise e observação de Madalena não permitiram que lhe fosse indiferente a preocupação e o empenho de Acácio em nunca largar um estranho saco de retalhos de trapos, velho e sujo, que trazia consigo ao ser tirado do poço e colocado numa maca.

Nessa noite, quando Madalena se deitou na sua cama pensou nos acontecimentos insólitos daquele dia e adormeceu com a imagem do belga e o seu cântico divino no seu pensamento.

2 comentários:

Feridas disse...

Ah! O belga é um daquela étnicos de cordões nas camisas... Já conheço o estilo, o meu genro também é desses!

Calos disse...

Mas o étnico do teu genro fazia danças, este faz cânticos. É outra coisa. Só a camisa de cordões é que é igual.
;-)