sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Amélia, que bem que se está no campo! - Episódio #8

Adosinda corria pela charneca tanto quanto as suas velhas pernas lho permitiam.Enquanto corria murmurava baixinho: coitadinho, coitadinho, quem havia de dizer...
A sua atenção foi subitamente tomada por um alarido estanho nas terras mais baixas, entre os campos de milho, junto ao velho poço do Zé Figas. O movimento era desusado para aquelas paragens e para a hora tão matutina.. Adosinda parou e tentou descortinar o que se passava. Algumas pessoas rodeavam o carro dos bombeiros que se via à distancia com as luzes de emergência ligadas.
Contrariada por se desviar do seu caminho, mas não conseguindo resistir à curiosidade, a velhota desceu um carreiro e chegou junto do poço mesmo a tempo de ver Acácio a ser içado do poço.
O homem estava lívido e contorcia-se com dores. Já tinha uma tala na perna e estava imobilizado na maca.
- Valha-te Deus, homem, o que é que aconteceu? perguntou a anciã.
- Ai ti Adosinda, para o que eu havia de estar guardado. Caí ao poço do Zé Figas. Acho que tenho uma perna partida.
- Credo homem! Deixa ver esse saco, que to levo depois a casa. Não vais agora para o hospital com esse farrapo nas mãos.
- Não, não!, gritou o Acácio - o saco levo-o comigo. Ninguém me tira o saco.
- Pronto, homem. Deves ter aí dentro as libras de oito.
Adosinda encolheu os ombros. Toda a gente sabia que o Acácio não jogava com o baralho todo. Era pouco mais que um pobre diabo, que vivia sozinho e ganhava a vida com pequenos biscates que lhe davam, mais para o ajudar do que pelo préstimo que o homenzinho realmente tivesse.
- Deixa-me cá voltar ao meu destino e o Acácio que se amanhe.
Não tornou a pensar no pateta e encaminhou-se apressadamente para casa de Mariana.
Assim que avistou a casa, começou a chamar pela dona.
Mariana estava no alpendre, placidamente sentada com um cesto de ervilhas à frente.
- Bom dia, tia Adosinda. Por cá tão cedo? Quer um café? Ora sente-se aqui e venha descascar umas ervilhas comigo. Conversamos um bocadinho.
- Ai menina, venho esbaforida. Não quero café nenhum... ainda nem recuperei o fôlego.
- Calma, mulher! Sente-se. Vou-lhe buscar um copo de água.
- Obrigadinha, filha. Deus lhe pague.
Mariana voltou com a água e encontrou a velhota já mais recomposta.
- Então diga lá, o que é que se passa?
- Ai menina, alembra-se do que me pediu? Li o cobranto ao rapaz. Está carregadinho!
Mariana mudou imediatamente de feições. O olhar endureceu-lhe e dois profundos sulcos desenharam-se-lhe aos cantos da boca.
- Cale-se, mulher. Não quero conversas sobre isso aqui.
Entrou em casa e certificou-se que ninguém estava por perto. Regressou para junto da velha.
- Então, conte lá...
- Filha, ele está carregadinho. Tenho para mim que aquilo é coisa de quem lhe quer fazer mal.
- E já lhe fez a reza?
- Já, mas tem que ser rezada por mais duas pessoas. Sózinha não consigo afastar o encosto.
- Bolas, e agora quem é que há-de fazer o resto do trabalho?

Acácio acalmou por fim. Encontrava-se deitado numa maca, no corredor do Hospital de Abrantes. A morfina que lhe tinham dado por via intravenosa começou a fazer efeito e deixou de sentir as terríveis dores na perna.
Uma enfermeira passou e dirigiu-se a ele.
- Já lhe passaram as dores? O doutor pediu uma radiografia. Vamos já levá-lo ao raio X.
- Vão mas é todos para o raio que vos parta, vociferou o Acácio. Então para que é a radiografia, não se vê bem que a perna está partida?
- Acalme-se, senhor, retorquiu a enfermeira. Sem saber onde é a fractura como quer que se faça a operação?
- Operação? Operação? Então eu vou ser operado?
- Pois com certeza. Deve levar um parafuso na perna e vai passar a prever a chuva... A enfermeira afastou-se a rir.
Acácio ficou aterrado. Ai, ai que me vão pôr a dormir e nunca mais acordo.
O corredor ficou deserto. Era a oportunidade que esperava para finalmente espreitar o conteúdo do saco.
Abriu-o e tirou lá de dentro um embrulho de papel de jornal.
Depois de desembrulhar com alguma dificuldade, encontrou um estranho objecto. Era do tamanho de uma pedra da calçada, cinzento, cheio de botões e fios. Parecia uma coisa bastante sofisticada, alguma tecnologia desconhecida. No meio de uma das faces do objecto brilhava um cristal, como uma pedra preciosa.
- Mas que raio será isto?

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