sexta-feira, 22 de julho de 2011

Amélia, que bem que se está no campo! - Episódio #4

A quinta era a forma pomposa como Mariana gostava de se referir á propriedade de 16 hectares que o Zé Figas deixara ao filho Maurício quando faleceu.
A terra estava abandonada quando, numa tarde de Julho em que o calor partia pedras, Maurício e Mariana entraram nela pela primeira vez, vindos do funeral do Zé Figas.
O portão estava enferrujado e ninguém sabia da chave do cadeado que ligava a corrente que se enrolava à volta da fechadura partida. Maurício tivera que deitar o portão ao chão. É a primeira coisa que temos que arranjar, dissera a Mariana.
A erva crescia por todo o lado, já ninguém ali ia há três anos, tempo que durara a doença do Zé Figas.
Maurício tinha sido um aluno médio e nunca teve pretensões académicas. Acabou o 12º ano no liceu de Abrantes e voltou para a terra, Tramagal, onde conseguiu emprego num banco. Vivia no Tramagal e raramente ia à velha casa que fora dos avós.
Tinha conhecido Mariana numa tasca local, onde ela trabalhava. Namoraram pouco tempo e juntaram os trapinhos.
Os primeiros tempos foram difíceis, ensombrados pela doença do pai de Maurício.
Quando finalmente ele morreu Maurício herdou a terra e uma pequenina poupança no banco.
Nessa tarde de Julho vieram directamente do cemitério para a quinta.
A terra estendia-se à sua frente, amarelada de erva seca até ao Tejo.
No que restava do jardim ainda apareciam uma ou outra rosa mais teimosa, apesar da falta de rega. Numa latada perto da casa já brilhavam uns cachos de uvas pequeninas e verdes, quase abafadas pelas silvas.
A casa era pequena, de paredes de pedra e adobe. Lá dentro estava fresco.
Tinha apenas quatro divisões: a casa de fora, que servia para receber o senhor prior na Páscoa e onde as mulheres costuram nos tempos idos. Lá estava velha máquina de costura Singer num canto. A cozinha, com uma grande lareira na qual se podia entrar, preta de anos de sopas de panelas de ferro, e dois quartos pequeníssimos, com camas de ferro encostadas a três paredes.
Cá fora uma casa do forno e dois grandes anexos tinham abrigado animais e colheitas.
Não havia casa de banho.
A água saia de um poço com um motor.
A electricidade estava desligada, por isso nem puderam ver se o motor ainda funcionava.
- E agora, o que é que fazemos disto? perguntou Maurício. Vendemos?
- Não, respondeu Mariana com os olhos a brilhar. Cultivamos…
Foi uma estanha decisão para quem não distinguia uma alface de uma erva daninha, mas doze anos depois Mariana não se arrependia daquela tirada romântica.
A casa levou obras e transformou-se numa casinha rústica mas cheia de conforto.
A terra produzia agora milho e girassol para vender.
O olival foi tratado e estava de novo a produzir.
Além disso tinham uma horta que lhes satisfazia as necessidades da família e de onde tiravam hortaliça e fruta para vender a vizinhos que sabiam que ali tudo era fresco e biológico.
Havia duas vacas, que davam leite, manteiga e queijo, galinhas, coelhos, duas cabras e um burro, que Mariana salvara de morrer de fome e só servia para decoração.
Além disso havia três petizes que lhes enchiam os olhos de lágrimas de felicidade quando apareciam sujos e esfarrapados por terem andado a pescar no Tejo ou a subir às árvores, Zé, de 10 anos, Henrique, de 7 e o pequeno Vicente de um ano e meio.
Mariana era uma mulher prática, rija e maciça.
Tinha o cabelo cortado curto e a pele muito bronzeada por andar sempre no campo. Usava as unhas cortadas rentes e tinha calos nas mãos.
Andava quase sempre de calças de ganga e botins. Conduzia o tractor ou a camioneta de caixa aberta e comandava os trabalhadores de igual para igual. Maurício mantinha o seu emprego no banco para assegurar estabilidade financeira à família e a quinta era da responsabilidade de Mariana.

3 comentários:

wolfinho disse...

Aguardo continuação da história.

Feridas disse...

A bola está do lado da Calos...

Calos disse...

A Calos vai tratar desse assunto hoje é noite, ok?