quinta-feira, 21 de julho de 2011

Amélia, que bem que se está no campo! - Episódio #3

Nesse preciso momento o seu telemóvel tocou. Era a sua irmã, Mariana. – “Maninha preciso de ti, duas semanas no mínimo, para me ajudares com os preparativos do baptizado do Vicente! E não admito um não! Deixas essa cidade cheia de poluição, vens passar uns dias comigo, aqui à quinta e regressas depois do baptizado! Larga lá essa porcaria dos cardápios e dos monitores que te queimam as pestanas, mulher!”.
Mariana era a sua versão menos polida. Igualmente inteligente e determinada mas fruto de outra educação. A vida encarregara-se de fazer com que o destino destas duas irmãs fosse o mais diferente possível. Depois do trágico acidente, na passagem de nível, que vitimou os seus pais, as duas irmãs, ainda muito pequenas, ficaram aos cuidados do orfanato da vila e lá foram felizes. Aprenderam as cores, os nomes dos animais, as letras, a partilhar e a sobreviver. Tudo estava bem e o tempo passava sem pressas até ao dia em que viram o casal Sobral pela primeira vez. Teodoro e Amélia Sobral eram do Estoril e, na impossibilidade de terem filhos, procuravam uma menina para adoptar, perfeita, inteligente, bonita e novinha, de preferência com a instrução primária por iniciar. Logo que conheceram Madalena perceberam que olhavam para a filha que nunca tiveram e as visitas foram-se repetindo. Um dia a Madre Isabel, chamou Madalena à sua salinha e, com um ar sério e profundo, disse-lhe que se deveria despedir da sua irmã porque no dia seguinte o casal Sobral viria buscá-la e a levaria para sua casa, perto de Lisboa, numa terra com praia chamada Estoril, e que lhe dariam tudo quanto é possível dar-se a uma filha.

“E a minha irmã?...” – perguntou Madalena. A madre pôs os olhos no chão, como que rendida por ouvir a pergunta que tanto receava e para a qual dar a resposta a magoava profundamente.
“A tua irmã vai ficar, Madalena. Os sobral só podem adoptar uma menina e tu és mais nova 2 anos…” – A madre não continuou. Não encontrava argumentos para justificar a uma criança de 5 anos esta escolha, nem palavras de consolo para a separação que a esperava. Só se confortava no facto de saber que os Sobral eram pessoas de bem, bem formadas e capazes de proporcionar a Madalena tudo o que ela merecia. E realmente assim foi. Teodoro e Amélia não podiam ter sido melhores pais. Nunca lhe faltou nada. Educação, roupas compradas nas mais finas boutiques de Cascais, amigas iguais a ela, longas tardes na praia, nem mesmo amor. Ainda hoje ela é o centro dos seus mundos e o único foco de atenção do culto e calmo Teodoro, médico cardiologista reformado e da doce e delicada Amélia, eterna dona de casa.
Madalena aceitou as palavras da Madre com a promessa de vir visitar a sua irmã sempre que quisesse e assim o desejasse. Claro que, embora acontecesse, essas visitas nunca foram tão frequentes como Madalena gostaria.

Mariana nunca foi adoptada. Viveu sempre no orfanato e lá se tornou mulher. De criança frágil e doce, depressa se transformou no braço direito das madres, sempre pronta que estava para ajudar, resolver, empreender. Ela limpava, arrumava e passava, mas também lia em voz alta para as madres cujos olhos já não tinham luz. Fez uma horta nas traseiras do edifício que para além de abastecer a cozinha do orfanato, ainda entretinha as crianças mais crescidas. Cantava como um anjo e era ao som das suas canções que crianças e freiras adormeciam no fim de cada dia. Um dia arranjou emprego num restaurante das redondezas e foi lá que conheceu Maurício que a levou para a quinta e lhe deu uma vida a seu lado, 3 filhos e todo o amor que é possível dar a uma mulher.


Madalena andava perdida no labirinto dos seus pensamentos quando lembrou a imagem do Joker no seu e-mail. Aquelas palavras não lhe saiam da cabeça “A sua vida não tem sentido…Espere. Tudo vai mudar.”
Deixou as águas furtadas do seu escritório num salto. Ia imediatamente falar com o director. Precisava de férias e não queria duas semanas antes do baptizado do sobrinho, queria férias a partir desse mesmo instante. – “Num escritório com 28 advogados certamente não terão dificuldade em distribuir os meus processos…”


Ainda nessa tarde Madalena deixou a auto-estrada do Norte e entrou na A23, rumo ao interior do país.

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