sexta-feira, 19 de abril de 2013

É um senhor...este Quadros!

João Quadros nasceu em Lisboa em 1964, é licenciado em gestão e argumentista. Nos últimos 20 anos escreveu para televisão, teatro, cinema, rádio, jornais, etc. Foi um dos autores de programas de grande sucesso na televisão: Herman Enciclopédia, Contra Informação, O Programa da Maria, Levanta-te e Ri, Os Contemporâneos, Lado B e Último a Sair. Foi autor do argumento do filme Arte de Roubar, de Leonel Vieira.
Actualmente escreve para o 5 para a Meia-Noite com Nuno Markl, o Tubo de Ensaio – programa diário na TSF – com Bruno Nogueira e uma rúbrica semanal para o Jornal de Negócios.

É um senhor da escrita de humor, senão vejam este brilhante texto que faz uma crítica leonina à "mania de importar" das grandes cadeias de distribuição nacional em deterimento da produção nacional.

"Os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística (INE)
demonstram que o Pingo Doce ...
(da Jerónimo Martins) e o Modelo
Continente (do grupo Sonae) estão entre os maiores importadores
portugueses."

Porque é que estes dados não me causam admiração? Talvez
porque, esta semana, tive a oportunidade de verificar que a zona de
frescos dos supermercados parece uns jogos sem fronteiras de pescado e marisco.
Uma ONU do ultra-congelado. Eu explico.
Por alto, vi: camarão do Equador, burrié da Irlanda, perca egípcia,
sapateira de Madagáscar, polvo marroquino, berbigão das Fidji, abrótea do Haiti?

Uma pessoa chega a sentir vergonha por haver marisco mais viajado que nós. Eu não tenho vontade de comer uma abrótea que veio do Haiti ou um berbigão que veio das exóticas Fidji. Para mim, tudo o que fica a mais de 2.000 quilómetros de casa é exótico. Eu sou curioso, tenho vontade de falar com o berbigão, tenho curiosidade de saber como é que é o país dele, se a água é quente, se tem irmãs, etc.

Vamos lá ver. Uma pessoa vai ao supermercado comprar duas cabeças de pescada, não tem de sentir que não conhece o mundo. Não é saudável ter inveja de uma gamba. Uma dona de casa vai fazer compras e fica a chorar junto do linguado de Cuba, porque se lembra que foi tão feliz na lua-de-mel em Havana e agora já nem a Badajoz vai. Não se faz. E é desagradável constatar que o tamboril (da Escócia) fez mais quilómetros para ali chegar que os que vamos fazer durante todo o ano.

Há quem acabe por levar peixe-espada do Quénia só para ter alguém
interessante e viajado lá em casa. Eu vi perca egípcia em Telheiras.
Fica estranho. Perca egípcia soa a Hercule Poirot e Morte no Nilo. A
minha mãe olha para uma perca egípcia e esquece que está num
supermercado e imagina-se no Museu do Cairo e esquece-se das compras. Fica ali a sonhar, no gelo, capaz de se constipar.

Deixei para o fim o polvo marroquino. É complicado pedir polvo
marroquino, assim às claras. Eu não consigo perguntar: "tem polvo
marroquino?", sem olhar à volta a ver se vem lá polícia. "Queria
quinhentos de polvo marroquino" - tem de ser dito em voz mais baixa e rouca. Acabei por optar por robalo de Chernobyl para o almoço. Não há nada como umas coxinhas de robalo de Chernobyl.

Eu, às vezes penso:
O que não poupávamos se Portugal tivesse mar.

JOÃO QUADROS . NEGÓCIOS ONLINE
(TEXTO ESCRITO EM COMPLETO DESACORDO ORTOGRÁFICO)

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