O dia amanheceu quente em Lisboa. Os primeiros raios de sol da manhã serpenteiam por entre os prédios, tentando iluminar toda a cidade. Bandos de pombos organizam-se para o seu turno matinal pelas praças turísticas da baixa. O trânsito flui lentamente, obedecendo aos semáforos que, como maestros de uma orquestra, comandam uma dança gigantesca e organizada de milhares de automóveis. Madalena já deu duas voltas completas ao quarteirão em busca de um lugar para estacionar (o seu escritório tem parque mas está reservado aos administradores e a quadros de topo da firma de advogados onde trabalha), quando finalmente resolveu render-se aos parquímetros da Emel, e pagar estacionamento até à hora do almoço. Fez a habitual troca de sapatos, tirando os sapatos rasos práticos para conduzir e substituindo-os pelo modelo Prada, de tacão alto, que em tudo combinava com o tailler que ajeitou ao sair apressada sem esquecer a pasta do trabalho e a mala de pele Louis Vuitton, onde transportava toda a sua vida. O escritório de advogados Osório e Mateus situa-se no 4º andar num prédio lindíssimo, antigo mas restaurado em plena Avenida da Liberdade. Ao entrar Madalena ia despejando “bons dias” aos colegas com a indiferença de mais uma Quinta-feira de manhã. Já não suportava a mistura dos cheiros dos perfumes de quem ali trabalhava, o ambiente carregado e viciado do ar condicionado, o cheiro artificial da máquina de café ou a químicos da fotocopiadora. Tudo naquele lugar a enjoava e deixara de fazer sentido. Madalena era uma advogada de sucesso. Um caso nas suas mãos era um caso ganho em tribunal. Há muito que se habituara a não fazer julgamentos e a não questionar a razão do seu cliente. Já defendera grandes causas, como já defendera grandes empresas e grandes corruptos, abafando grandes causas. Aprendeu a viver o dia-a-dia sem o questionar, sem pensar muito sobre as coisas, sem grandes análises ou juízos de valor. “As coisas são como são e não me compete a mim mudá-las.”
Toda a sua vida estava envolta numa película de banalidade e superficialidade até aquele dia em que chegou a casa e o Pedro, com quem vivia há 3 anos, estava a fazer as malas e ia sair. Tinha-se apaixonado por uma actriz de teatro amador, doze anos mais nova e ponderava ir viver para a casa no Bairro Alto que ela partilhava com dois amigos gays.
Madalena nem queria acreditar. Nunca imaginaria o Pedro a viver com uma miúda de ideais de esquerda, com rastas no cabelo e a partilhar uma casa com dois gays. Que Pedro era este que ela não conhecia? Não era ele que se sentia atraído por mulheres de sucesso, inteligentes, sofisticadas, que apreciava a estabilidade da vida cosmopolita, as jantaradas de 4 horas com amigos exactamente iguais a ele, a discutir casos jurídicos, ratings ou cotações na bolsa? Pelos vistos não. O Pedro que Madalena pensava conhecer e até amar, não existia. Sentiu toda a sua vida desmoronar-se aos seus pés, e tudo em que acreditava era fruto de construções que fazia na sua cabeça. - “Eu estava a ponderar termos um filho, bolas!”.
Madalena não só não reconhecia o seu companheiro como não se reconhecia a si própria. – “Mas quem és tu Madalena? O resultado de uma série de circunstâncias provocadas, de experiencias académicas e sociais? És um ser sem causas e sem auto-estima que se limita a fazer o que é suposto? Mas quem és tu realmente?”- Fazia estas perguntas a si própria vezes sem conta, sempre sem obter respostas.
A sua vida não fazia o menor sentido e a pessoa em que se tornara também não.
Tudo isto foi como uma explosão na sua vida, um tsunami que passa, arrasa tudo e só deixa escombros que precisamos limpar para tornar a construir tudo de novo, e nessa manhã, no escritório, madalena ainda não sabia que, ao ligar o computador, a sua vida ia mudar para sempre.
Este é o primeiro episódio de uma brincadeira que vou fazer com a Feridas. Vamos escrever uma longa-metragem ou novela, ou série, ou que lhe quiserem chamar, por capítulos, completamente improvisada. Não temos uma história nem temos nada combinado e cada capítulo é uma completa surpresa até para nós e dá o mote para a outra criar o capítulo seguinte. Vamos ver o que dá. Na minha opinião ainda é bem capaz de dar um Óscar.
Toda a sua vida estava envolta numa película de banalidade e superficialidade até aquele dia em que chegou a casa e o Pedro, com quem vivia há 3 anos, estava a fazer as malas e ia sair. Tinha-se apaixonado por uma actriz de teatro amador, doze anos mais nova e ponderava ir viver para a casa no Bairro Alto que ela partilhava com dois amigos gays.
Madalena nem queria acreditar. Nunca imaginaria o Pedro a viver com uma miúda de ideais de esquerda, com rastas no cabelo e a partilhar uma casa com dois gays. Que Pedro era este que ela não conhecia? Não era ele que se sentia atraído por mulheres de sucesso, inteligentes, sofisticadas, que apreciava a estabilidade da vida cosmopolita, as jantaradas de 4 horas com amigos exactamente iguais a ele, a discutir casos jurídicos, ratings ou cotações na bolsa? Pelos vistos não. O Pedro que Madalena pensava conhecer e até amar, não existia. Sentiu toda a sua vida desmoronar-se aos seus pés, e tudo em que acreditava era fruto de construções que fazia na sua cabeça. - “Eu estava a ponderar termos um filho, bolas!”.
Madalena não só não reconhecia o seu companheiro como não se reconhecia a si própria. – “Mas quem és tu Madalena? O resultado de uma série de circunstâncias provocadas, de experiencias académicas e sociais? És um ser sem causas e sem auto-estima que se limita a fazer o que é suposto? Mas quem és tu realmente?”- Fazia estas perguntas a si própria vezes sem conta, sempre sem obter respostas.
A sua vida não fazia o menor sentido e a pessoa em que se tornara também não.
Tudo isto foi como uma explosão na sua vida, um tsunami que passa, arrasa tudo e só deixa escombros que precisamos limpar para tornar a construir tudo de novo, e nessa manhã, no escritório, madalena ainda não sabia que, ao ligar o computador, a sua vida ia mudar para sempre.
Este é o primeiro episódio de uma brincadeira que vou fazer com a Feridas. Vamos escrever uma longa-metragem ou novela, ou série, ou que lhe quiserem chamar, por capítulos, completamente improvisada. Não temos uma história nem temos nada combinado e cada capítulo é uma completa surpresa até para nós e dá o mote para a outra criar o capítulo seguinte. Vamos ver o que dá. Na minha opinião ainda é bem capaz de dar um Óscar.
Feridas, é a tua vez. Dá-lhe gás!
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