Madalena chegou mesmo a tempo do jantar. Galinha caseira, deliciosa, feita no velho forno a lenha da cozinha da casa da quinta, arroz de miúdos e uma salada mista cujos legumes tinham um sabor impossível de encontrar nos supermercados da capital. As conversas atropelavam-se durante o jantar, tal era a vontade das duas irmãs porem em dia os acontecimentos da vida uma da outra. Maurício escutava-as em silêncio e sorria com ternura ao observar o entusiasmo e a alegria da mulher. As crianças também estavam mais calmas que o habitual talvez pela curiosidade suscitada pelas histórias de Lisboa da tia Madalena. No fim do jantar, enquanto as crianças se deliciavam com as maravilhas da tecnologia depositadas numa PlayStation acabadinha de chegar pelas mãos da tia, os adultos tomaram um café de cafeteira no alpendre da casa. Madalena fumou um cigarro com uma tranquilidade e um prazer que já não sentia há muito. A vida dera-lhe tudo, mas quem tinha tudo era Mariana: tinha um marido que a amava profundamente, tinha filhos, tinha uma profissão que gostava e sobretudo tinha alegria, realização e paz na sua vida. Isso deixava-a feliz. Nunca iria esquecer o travo amargo e o sentimento de culpa com que voltava ao orfanato sempre que visitava a irmã. - “Eu tenho tudo e a minha irmã não tem nada”. Afinal, a vida encarregara-se de por tudo no seu devido lugar e o que permanecia sem nexo era a sua própria vida.
No dia seguinte, logo pela manhã, depois de um vigoroso pequeno-almoço e de acompanhar a irmã na entrega dos sobrinhos na escola, Madalena e Mariana selaram dois cavalos e foram dar uma volta pela propriedade. A quinta era enorme e assim cultivada e repleta de árvores de fruto era um regalo para a vista. No extremo norte passava um riacho onde aproveitaram para dar de beber aos cavalos e conversar um pouco. Mariana nunca gostara de Pedro. “Não é homem para ti, minha irmã. Demasiado engraxadinho mas pouco verdadeiro!” – O desenrolar da vida viria a dar-lhe razão.
Envolvida nos seus pensamentos e com os olhos no horizonte, Madalena deu-se conta de algo completamente improvável naquela paisagem. No cimo de uma colina, não muito longe dali, erguia-se uma tenda mongol, branca e imponente que contrastava com o azul do céu que lhe servia de fundo. Cá fora avistava-se o que parecia ser um estendal onde baloiçavam várias peças de roupa, todas brancas. A tenda mongol estava rodeada de inúmeras árvores plantadas com rigor aritmético e em cada árvore pendia uma etiqueta. Madalena pode ainda observar um casal de cegonhas que repousavam no ninho no cimo de um grande mastro ali colocado para esse efeito. O cenário era demasiado insólito para que Madalena pudesse ficar indiferente. –“O que é isto Mariana? – perguntou sem tirar os olhos do horizonte.
- Isto é o sítio do Guerlain.
- Quem?
- Guerlain. Um belga estranho e enigmático que se instalou aqui há uns dois anos. Ninguém sabe ao que veio nem o que faz. Vive aqui assim, sem luz, na companhia destas duas cegonhas que chegaram com ele, e dizem que fala com os anjos. Ou melhor, há quem diga que ele próprio é um anjo.
Madalena ficou intrigada mas não perguntou mais nada. Limitou-se a observar o acampamento mais uns instantes. No regresso a casa ainda passaram pela herdade contígua para cumprimentar os vizinhos e, após muita insistência, acabaram por lá almoçar. O resto do dia correu calmo e sem sobressaltos, dando mesmo para umas horas de leitura à sombra do velho carvalho que se erguia junto ao alpendre da entrada da cozinha. Madalena agradecia esta paz a cada minuto. Era mesmo isto que estava a precisar: paz, sossego, um tempo só consigo, não pensar rigorosamente em nada. Só a curiosidade em relação ao belga e ao seu acampamento lhe inquietavam o espírito. – “Amanhã terei de ir observar aquilo tudo melhor. E quem sabe…ver o próprio anjo…”
No dia seguinte, logo pela manhã, depois de um vigoroso pequeno-almoço e de acompanhar a irmã na entrega dos sobrinhos na escola, Madalena e Mariana selaram dois cavalos e foram dar uma volta pela propriedade. A quinta era enorme e assim cultivada e repleta de árvores de fruto era um regalo para a vista. No extremo norte passava um riacho onde aproveitaram para dar de beber aos cavalos e conversar um pouco. Mariana nunca gostara de Pedro. “Não é homem para ti, minha irmã. Demasiado engraxadinho mas pouco verdadeiro!” – O desenrolar da vida viria a dar-lhe razão.
Envolvida nos seus pensamentos e com os olhos no horizonte, Madalena deu-se conta de algo completamente improvável naquela paisagem. No cimo de uma colina, não muito longe dali, erguia-se uma tenda mongol, branca e imponente que contrastava com o azul do céu que lhe servia de fundo. Cá fora avistava-se o que parecia ser um estendal onde baloiçavam várias peças de roupa, todas brancas. A tenda mongol estava rodeada de inúmeras árvores plantadas com rigor aritmético e em cada árvore pendia uma etiqueta. Madalena pode ainda observar um casal de cegonhas que repousavam no ninho no cimo de um grande mastro ali colocado para esse efeito. O cenário era demasiado insólito para que Madalena pudesse ficar indiferente. –“O que é isto Mariana? – perguntou sem tirar os olhos do horizonte.
- Isto é o sítio do Guerlain.
- Quem?
- Guerlain. Um belga estranho e enigmático que se instalou aqui há uns dois anos. Ninguém sabe ao que veio nem o que faz. Vive aqui assim, sem luz, na companhia destas duas cegonhas que chegaram com ele, e dizem que fala com os anjos. Ou melhor, há quem diga que ele próprio é um anjo.
Madalena ficou intrigada mas não perguntou mais nada. Limitou-se a observar o acampamento mais uns instantes. No regresso a casa ainda passaram pela herdade contígua para cumprimentar os vizinhos e, após muita insistência, acabaram por lá almoçar. O resto do dia correu calmo e sem sobressaltos, dando mesmo para umas horas de leitura à sombra do velho carvalho que se erguia junto ao alpendre da entrada da cozinha. Madalena agradecia esta paz a cada minuto. Era mesmo isto que estava a precisar: paz, sossego, um tempo só consigo, não pensar rigorosamente em nada. Só a curiosidade em relação ao belga e ao seu acampamento lhe inquietavam o espírito. – “Amanhã terei de ir observar aquilo tudo melhor. E quem sabe…ver o próprio anjo…”
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